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Liberdade * Geopolítica * Socialismo
Como referi no Facebook há dias, estava a pensar escrever uma peça sobre o teletrabalho e a repovoação do interior como algo viável no pós-COVID. Não faço jornalismo remunerado há quase uma década, mas mesmo assim essa teoria não sobreviveu ao meu fact checking amador.
Sucede que na maior parte do interior as quintas e as aldeias em seu redor não dispõem de Internet de banda larga: nos montes e nas serras não há ADSL banda larga nem cabo, e sem Internet não há teletrabalho. E os hotspots? A 1€ o giga de dados móveis convenhamos que é uma opção demasiado dispendiosa para ser viável.
Mas podemos sempre repovoar as maiores cidades e vilas do interior... só que essa migração causaria um aumento na especulação imobiliária lá, ficando o custo de vida ao mesmo nível que nas grandes capitais.
Ontem numa conversa informal entre militantes base do Partido Socialista foi consensual que ficamos alarmados por a) a cúpula do partido não perceber que a nossa popularidade está em queda desde a opereta do 25 de Abril, b) a novela NovoBanco "temos que pagar porque está no contrato, sim aquele que é secreto e vocês não podem ler" agravou ainda mais essa situação e, finalmente, c) tornar a candidatura de Marcelo numa candidatura de regime garante uma chacina eleitoral só justificada se o objectivo for constituir blocos centrais em massa nas autárquicas e no próximo governo.
Nunca gostei da fidelidade cega aos clubes de futebol, embora tenha feito parte de uma claque durante alguns anos nunca sequer vi um jogo de futebol, talvez por isso não me identifique com a defesa cega do partido mesmo quando este erra... Aconselho o visionamento ou audição do Sem Moderação desta semana para um exemplo prático desta cegueira por parte do meu camarada Pedro Delgado Alves, creio que este não faz mesmo ideia de como isto é visto de fora, pelo nosso cada vez mais diminuto eleitorado...
Relativamente à notícia sobre Santos Silva achar que tanto defende o PS quem apoia Marcelo como quem apoia outro candidato, julgamos que tal é normal num partido que há muito abandonou a formação de quadros políticos e se encheu de independentes e burocratas sem ideologia... quando não se tem ideologia tanto faz se algo é de esquerda, direita, socialista ou capitalista, não se sabe distinguir nem fundamentar a existência de uma divisão.
Ou então dados os péssimos resultados da esquerda como um todo nas últimas eleições (não atingimos a maioria absoluta, o BE perdeu votos e a CDU perdeu deputados após o melhor governo das últimas décadas) percebemos que o eleitorado se está nas tintas se governamos bem ou mal, com austeridade ou recuperação de rendimentos, e que o poder acabará por passar pelo horrendo Bloco Central... depois virá o triunfo da direita radicalizada... e finalmente um regresso do socialismo ideológico daqui por uma década ou duas.
É curioso como no Brasil, que se inspira mais nos modelos da esquerda anglo-saxónica (EUA, Reino Unido ou Canadá) do que na esquerda europeia e latino-americana, a temática cosmopolita da esquerda identitária é universal, até em grupos de solidariedade para com a Coreia do Norte.
Recordo o caso em que um dos membros do dito grupo ter mencionado o aspecto físico de uma das integrantes de uma banda pop norte-coreana com um "uau, tenho que casar com uma norte-coreana" e ter sido expulso por comportamento patriarcal machista, por estar a objectificar uma mulher... e o debate sobre quão justa era a sua expulsão por um comentário tão simplista foi coisa que durou 2/3 dias com 99% a aplaudir a medida e aqueles que discordaram a serem comparados a bolsominions, fascistas e neo-nazis.
É por histerismos destes que nós da esquerda não identitária a apodamos de histérica e de criar o terreno ideal para que Venturas, Bolsonaros e Trumps ganhem votos em barda por muito que nos ridicularizem ao afirmar que o vosso anti-machismo, anti-fascismo e anti-racismo primários são vistos pelo povo comum, iletrado por políticas de educação ineficazes ao longo de gerações, como exageros, o ostracizem e, ao apodá-lo livremente de pecados sociais que nem compreendeu estar a cometer, fazem com que a legítima denúncia perca o efeito que teve em tempos e actualmente até ganhe votos Ocidente fora.
O meu alerta: a esquerda identitária (fui buscar o termo ao Daniel Oliveira, que tem sido exemplar na sua denúncia) tem sido predominante nas últimas décadas nos Estados Unidos, no Brasil e no Reino Unido... está a recomeçar a dar os primeiros passos por cá após um primeiro momento em que as medidas progressistas de José Sócrates fizeram com que a maior parte das causas do BE se tornassem obsoletas e este se tornasse mais orientado para políticas sociais e trabalhistas que, verdade seja dita, lhe trouxeram um maior sucesso eleitoral.
Só hoje me apercebi que na lista de canais de YouTube e podcasts que recomendo aqui na coluna da direita não se encontrava o Tese Onze, a meu ver o melhor canal socialista do Brasil e muito provavelmente o que desbravou caminho para o nascimento da edição brasileira da revista Jacobin, onde colaborei pontualmente como tradutor.
Rendi-me à agenda do PS por achar que é a menos nefasta para Portugal, por influência indirecta de José Medeiros Ferreira, e por o socialismo democrata ser a ideologia que sempre defendi melhor ou pior, pese embora a minha inspiração libertária. Mas... apoiar o Marcelo? Se PS, CDS e PSD apoiarem Marcelo este será oficialmente o candidato "do sistema", do centrão liberal sem ideologia, e aquele comentador do Benfica vai comer todo o eleitorado que não se identifica com o estado das coisas. Na direcção do meu partido parece que tal foi não bem pensado, sinceramente esperava mais ver Assis nesse papel do que Costa.
Aqui furibundo com os pactos de regime em que um governo nunca altera as deliberações do anterior governo... CTT, legislação dos terrenos urbanizáveis e TAP são dos disparates mais crassos e nefastos do PSD que deviam ser revertidos. A alteração do regulamento dos terrenos urbanizáveis é das mais iliberais possíveis criada com álibi de evitar gastos necessários de ligações de água e electricidade a dezenas de quilómetros das aldeias. Digo eu que uma verdadeira medida liberal seria a opção dos proprietários contratassem essas ligações do seu bolso ou utilizassem furos de água e geradores, e não uma proibição salazarenta.
Reconstruir as economias depois da pandemia de COVID-19 parece ser uma tarefa impossível dado ao contrário do que sucede numa guerra convencional não há infra-estruturas a reconstruir, o que criaria emprego e relançaria a economia. Ou será esta a oportunidade para um Novo Pacto Verde realista?
Não há danos na infra-estrutura
Tenho lido e ouvido compulsivamente todas as análises por parte das correntes de opinião dominantes na comunicação social tanto nacional como internacional sobre como poderíamos fazer ressuscitar a economia depois dos isolamentos causados pelo COVID-19 e todos parecem concordam num só ponto: estamos todos a comparar esta pandemia a uma guerra, mas não podemos aplicar medidas semelhantes ao Plano Marshall porque não se trata de uma guerra real, por isso não temos infra-estruturas que possamos reconstruir para criar emprego e relançar a economia.
Caso se tratasse de uma catástrofe mais terrena como um tsunami ou um terramoto, ameaças que historicamente têm afectado Portugal e as ilhas dos Açores, ainda podíamos aplicar a habitual fórmula que todos os Estados empregam para reduzir o desemprego e reforçar a economia: reconstruir as infra-estruturas danificadas, mas o COVID-19 sendo microscópico os danos que criou são muito menos palpáveis.
Há um par de dias tropecei num debate no Twitter com outras pessoas de esquerda e comecei a sugerir uma série de medidas que a meu ver podiam ser tomadas, o mês passado entrevistei a activista climática e autora Carmen Lima para a edição portuguesa do Pravda.ru e reparei que precisamos que sejam construídas muitas infra-estruturas caso alguma vez queiramos mesmo implementar mudanças de fundo que possam dar origem a uma economia e a um modo de vida que seja muito menos danoso para este planeta do que o actual modelo capitalista enlouquecido e quanto mais depressa se der essa mudança, melhor.
Concordamos que as guerras geopolíticas do futuro serão por recursos naturais como a água e o lítio, do mesmo modo que as guerras do século XX foram em grande parte pelo petróleo necessário para manter a economia dos Estados Unidos, tinha isso em mente quando entrei no debate, que sim, realmente não temos infra-estruturas para reconstruir, mas porque é que então não começamos a construir centrais de dessalinização, fábricas para produzir baterias de lítio, indústrias de plástico biodegradável, sistemas de redes fotovoltaicas, fábricas de hidrogénio, a velha fórmula “vamos fazer grandes obras públicas para criar emprego e restaurar a economia” só que numa vertente mais verde que criaria AGORA os novos empregos do futuro.
Um Novo Pacto Verde?
A reacção que recebi foi: portanto, um Novo Pacto Verde? Nunca foi propriamente grande entusiasta do Novo Pacto Verde se tornar em algo palpável no meu tempo de vida, achamos mesmo que as economias de orientação capitalista e os governos liberais vão adoptar tais medidas, reduzindo os lucros dos accionistas? Parecia-me tudo demasiado optimista, disparates da esquerda identitária, o tipo de Utopia vegan e ciclista que para mim não tinha qualquer apelo, quanto mais para a classe trabalhadora que está mais preocupada em chegar ao fim do mês com comida na mesa do que em ter de escolher produtos ecológicos caros e em pensar a longo prazo no futuro dos seus filhos.
Mas agora parece-me algo concretizável, precisamos de nos reindustrializar, os governos parecem estar finalmente dispostos a investir na criação de empregos em vez de se cingirem a resgatar os bancos e as grandes empresas multinacionais só para que estes nos mantenham vivos em empregos sem quaisquer perspectivas de futuro, com ordenados mínimos e uma dívida impagável crédito atrás de crédito, empréstimo atrás de empréstimo, então porque não aproveitar esta oportunidade para reindustrializar o país por via de um Novo Pacto Verde?
Podemos criar HOJE os empregos do futuro, não estaremos só a criar os habituais empregos na construção civil, teremos também que treinar equipas inteiras que possam operar todas estas fábricas novas tendo em vista uma economia com um Novo Pacto Verde, que limpe o ar, que extraia água potável do nosso oceano, que crie quintas biológicas, ferramentas solares, maquinaria eléctrica, transportes públicos ecológicos, iremos criar todo o tipo de empregos de produção e investigação país acima e abaixo, precisamos de mudanças e precisamos destas mais rapidamente do que a burocracia dos nossos governos as consegue concretizar, tudo isto me parecia impossível há um par de meses, com acordos climáticos que empurram as mais ínfimas mudanças como “objectivos” concretizar só daqui a décadas. Quando provavelmente já será demasiado tarde para terem qualquer efeito.
Esperança no pós-COVID-19
É que a maior parte dos activistas contra as alterações climáticas não conseguem fazer chegar à maior parte da classe trabalhadora que ao poluir estamos a criar as condições para a nossa própria extinção, o planeta consegue sobreviver a isto e restaurar a sua fauna e flora muito depois da humanidade se envenenar ou morrer de fome. E quando os guerreiros ecologistas conseguem fazer com que essa mensagem chegue a uns poucos membros da classe trabalhadora, a sua reacção é um mero: o ordenado só me dura uma semana depois de pagar as contas, a renda e a comida, a minha vida é horrível, sinto-me um miserável, que mal tem morrermos? Estou-me nas tintas…
As pessoas precisam mais de ordenados melhores do que de esperança, todos estes novos empregos industriais e técnicos verdes teriam que ser calculados de acordo com um Ordenado de Subsistência. Pela primeira vez desde sempre estou um tanto ou quanto optimista que os nossos governos podiam, caso tenham coragem para isso, construir um futuro melhor para todos nós por via de um Novo Pacto Verde que relançasse a economia e criasse empregos depois dos isolamentos do COVID-19.
Estou esperançoso, mas já sou demasiado velho para acreditar em utopias e em governos que se preocupem com o bem estar deste planeta e da população que nele vive, os milionários preferem investir em bunkers apocalípticos e em mansões fortaleza na Nova Zelândia para fugirem às massas famintas e depauperadas do mundo do que investirem para criar empregos verdes com ordenados altos, infelizmente só os governos poderão intervir e uma vez que não podem aplicar um novo Plano Marshall, o mínimo que podiam fazer era criar os empregos do futuro agora ao construir as infra-estruturas que um Novo Pacto Verde irá necessitar se alguma vez se concretizar.
Ainda acho curioso como funcionam as entrevistas a personalidades públicas no jornalismo independente: os académicos e escritores flutuam entre a exigência das entrevistas escritas ou gravadas, pelo que tenho testemunhado. Os que as preferem escritas têm um maior cuidado com o que dizem, daí preferirem controlar rigorosamente o que nos dizem para evitar 'erros de transcrição' e normalmente estão em princípio de carreira ou são pouco conhecidos, têm receio de ser mal compreendidos pelos leitores. Os que as preferem gravadas dizem ser sempre mais por uma questão de tempo, e têm menos receio que algo corra mal embora alguns prefiram saber de antemão as perguntas. A conclusão que tiro é que quanto mais conhecido se é e maior público se tem, menos importância é dada ao que se diz... e tal dá que pensar!
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